Diocese Clero e Vocações

À conversa com Alcides Fernando Tavares Vilarinho, nos 25 anos de sacerdócio

29/07/2021
Por diocesedeviseu
À conversa com Alcides Fernando Tavares Vilarinho, nos 25 anos de sacerdócio
O lema da minha ordenação foi extraído do Profeta Jeremias: “A quem Eu te enviar, irás e o que Eu te ordenar, falarás. Não temas diante deles, porque Eu estou contigo para te salvar” (Jer. 1, 7-8). Hoje, decorridos 25 anos, leio-o, não digo de forma diferente de então, mas mais amadurecidamente. Ser sacerdote é exercer o sacerdócio em nome de alguém e não em nome próprio. Esse alguém é Deus, Deus que comunica de muitos modos com a humanidade, desde o início desta. A determinada altura, escolheu Abraão, escolheu os profetas, entre os quais Jeremias, até que Jesus Cristo se fez um de nós. Em Cristo, temos a Palavra divina em pessoa. Mas Cristo, assumindo a nossa condição humana, também aceitou o estar limitado ao tempo, o partir para o Pai, deixando de estar visível entre nós, como esteve nos seus trinta e poucos anos de existência humana. Porém, não nos abandonou, deixando-nos a Igreja, o novo povo de Deus, para continuar a sua missão. É este continuar a Sua missão a que somos chamados. Assim, ser sacerdote significa estar consciente de que a sua missão, o seu ministério tem origem em Deus, em Cristo, não em nome próprio; que fala em nome de Cristo, não transmitindo uma doutrina pessoal; que se dirige não a quem deseja, mas a quem Deus lhe ordena, quer pertença ao Seu Povo, quer não. A divina Palavra é para as pessoas, todas as pessoas. Existem pessoas que a aceitam e pessoas que a rejeitem, que a combatem. Ser sacerdote implica transmitir, propor esta Palavra como ela é, sempre confiando em Deus, pois é Deus quem acompanha o sacerdote, encorajando-o, incentivando-o, salvando-o dos medos, das inquietudes que podem surgir na missão.   Nestes 25 anos de sacerdócio, vejo a Igreja como povo peregrino. É constituída por pessoas batizadas, com as suas virtudes e os seus defeitos. Assim, necessita de uma contínua conversão, de ter sempre os olhos voltados para Deus, em busca de ser fiel a Deus. Se a Igreja fosse um organismo puramente humano talvez já não existisse; mas como se funda em Deus e Deus sempre a acompanha, é uma barca que vai navegando, apesar das tempestades que a abalam. Existe o pecado, mas também a graça. Se não conhecesse a Igreja, apenas confiado no que tantas vezes vai sendo transmitido, quer na comunicação social, como noutros meios, assustava-me, viveria angustiado, a aguardar o que muitas pessoas vaticinam: o seu fim. Mas como a conheço de outra forma, sem negar os seus pecados (e alguns são demasiadamente graves), vejo a Igreja como o Povo que vai continuando a missão que Deus lhe confiou. Vejo isto em tantos e tantos santos que, como um livro vivo, nos vão revelando o caminho para Deus, não só os santos que estão nos altares, mas também aqueles que fazem parte da nossa vida. São homens e mulheres que vivem a santidade, carregando a cruz de Cristo, mostrando o Amor de Deus à humanidade, que inúmeras vezes o rejeita. Apesar dos tempos difíceis que vivemos, sobretudo neste mundo ocidental, a esperança continua. Se a falta de vocações sacerdotais e consagradas podem-nos deixar apreensivos, o empenho de muitos cristãos leigos, nos mais variados âmbitos, diz-nos que o Espírito Santo está presente, que a Igreja tem futuro, irá continuar a missão que Cristo lhe confiou.   Hoje, sentir-se chamado e? confiar em Deus, colocar nas suas mãos a própria vida. Somos enviados a falar em nome de Deus à humanidade. Vivemos numa época em que o mundo se revela complexo, de rápidas mudanças. Hoje, o modo de pensar, de ser de muita gente é diferente de há 25 anos atrás. Os valores propostos pelo cristianismo parece ficarem um pouco à margem do quotidiano de muita gente, surgindo caminhos diferentes, à primeira vista mais apelativos, mais na moda. Perante isto, alguém que é chamado ao sacerdócio vê que necessita de alimentar a sua confiança em Cristo, ciente de que Ele esta? sempre presente, que não o abandona. É tempo de o sacerdote compreender que é tempo de semear; a colheita ... será quando Deus entender.   Falar num episódio que me tenha marcado mais profundamente ao longo destes vinte cinco anos e? difícil, diria que impossível. Ao longo destes vinte cinco anos todos os episódios foram marcantes, desde os que me recordo aos que já abraçaram o esquecimento. Embora não seja capaz de eleger um único episódio, penso que posso recordar-me de alguns em que vejo uma fé viva das pessoas que se encontram a viver circunstâncias muito difíceis, marcantes, diria únicas, da vida. Pessoas que se encontram doentes, padecendo enfermidades de que só escutar o nome já nos assusta, que vivem no meio de dolorosas lágrimas uma confiança total em Deus. Quando estamos com elas, apercebo-me de que nelas se encontra o rosto de Cristo, que a Fé é o alimento, a segurança dessas pessoas. São pessoas que vivem a santidade no silêncio, longe do olhar da larga maioria das pessoas, porém no coração de Cristo. Posso falar, também, de outras pessoas a quem a vida correu mal, por vezes a nível familiar, famílias desfeitas, que continuam a confiar em Deus, a querer viver uma vida crista?. Estes e outros tipos de episódios são marcantes, enriquecem-me, ajudam-me a olhar mais para a vida com um olhar mais semelhante ao de Cristo.   Para os próximos anos, não faço projetos, a vida há de acontecer com naturalidade. É hora de recordar o lema que escolhi há vinte cinco anos. Deixar que Deus me envie, a quem ele quiser, esperando anunciar sempre o que Ele quiser, mesmo quando isso se torna mais difícil, na certeza de que estará sempre comigo e de que nas horas em que eu não seja seu verdadeiro rosto Ele servir-se-á das minhas fragilidades para que a Boa Nova chegue às pessoas.